domingo, 18 de dezembro de 2011

"Cheio"



Fecho os olhos e aguço os ouvidos. O som lá de fora chora feito criança com fome.
O vazio barulho da cidade, cheio de onomatopéias sem sentido, estridentes e perturbadoras, penetram a mente do homem solitário que nada mais tem para descrever, senão seu próprio eu vazio de si e cheio dos outros. Completamente cheio de todos.
O som choroso da brisa fria da noite de domingo. É fim de ano, tudo chora tudo ri, tudo é festa, retrospectiva de tudo que foi totalmente sem intenção alguma, posto num pedestal quebradiço, feito do vidro mais vagabundo, durante todo o ano.
O som tilintoso do gotejar da chuva de verão que cai no vidro da janela, lembrando-me os “ding-dongs” dos sinos ingleses, das capelas napolitanas, dos gongos mandarins, dos “bips” americanizados. Novos tempos... Viagens que eu não fiz.
A umidade que escorre de fora pra dentro, invadindo meu espaço outrora tão aquecido, seco, aconchegante, fazendo-me lembrar que o lado de fora ainda existe. Não que este homem não se lembre de sair, mas lá fora chove, venta e faz barulho. Volto pro meu aconchego, de novo solitário, sem nada a descrever, vazio, cheio de todos.



Ayron B.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

"Respostas"


Como é pra você dormir todos os dias, convivendo com a dor de saber que eu me dou por inteiro e você só me é um átomo?
Como se convive com o sentimento de torturar em indiferença a única alma andante que lhe dá todo o amor presente na atmosfera?
Como se sonha um sonho novo, quando alguém sonha por você o mesmo sonho de estar junto desde o princípio da eternidade?
Como se ouve um som pensando em outro alguém, quando o nosso som toca dentro, no profundo mais profundo que algo fisicamente audível pode chegar?
Como é pra você dizer: “Eu preciso de um tempo sozinho”, quando nosso tempo juntos nem começou?
Como se ensina a alguém a viver como você, pensar como você, sonhar como você e de repente fazê-la sentir como se você nem sequer existisse?
Como você consegue dormir a noite sem ouvir meu choro, enquanto todo o resto do mundo ouve?
Como consegue me fazer sentir seguro do seu lado e somente no momento em que eu preciso de segurança você me joga do abismo?
Como é a solidão pra você?
Como é se esconder do mundo pra você?
Como é fingir ser igual a todo mundo pra você?
Como é ser poético pra você sem conhecer o amor?
Como se diz eu te amo sem nem sequer saber o que o amor é?
Como se toca sem chegar perto?

Graças a você, hoje eu respondo a todas essas questões, apenas com um arremedo de sorriso, um esboço do que eu costumava ser...



Ayron B.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

"Maquiagem"


As vezes paro a pensar em quão grandes são as injustiças cometidas pelo mundo a fora. O pior, é que as atitudes tomadas a partir de nós seres humanos relativamente concientes e honestos, nem sempre é suficiente ou intencionalmente eficaz. Muitas vezes, faz-se somente uma maquiagem por cima de tudo que está esrrado pra que pareça bunito ou subentendido...
Partindo por um princípio assim tão hipócrita, seria fácil talvez se eu usasse uma base de cobertura média-alta, mineral, ultrafina, para cobrir metade que fosse de toda essa corrupção e deslealdade que se vê todos os dias entre os governantes, comerciantes, empresários. Problema resolvido! Talvez...
As vezes, um blush com uma cor vibrante, num tom terracota, sem muito brilho, mas extremamente pigmentado, pudesse dar uma tapeada nesse preconceito generalizado, imbutido em comentários maldosos e de extremo mal gosto, que se ouve saindo de bocas das quais deveríamos ouvir palavras de acalento, segurança, certeza!
Um fumê bem sombreado, em tons não necessariamente coloridos, com poucas cores, mas bem trabalhados, já dariam vida ao olhar de tantos cidadãos que andam de cabeça baixa, tristes, abrorrecidos, por viverem às margens de uma sociedade que por si propria já é infeliz, incompleta, mas que faz questão de proporcionar esse sentimento de exclusão, insuficiência, incerteza, à grande maioria dos cidadãos honestos mas sem oportunidades.
Um vermelho vivo! Muito atrevimento e ousadia para os lábios. Ainda finalizado com um gloss de efeito hidratante e espelhado para bocas corajosas e incisivas. Lábios esses que instintivamente se abrem, num grito de desespero, para se impor com toda a indignação que a sociedade vive dia após dia, e lutar contra essa opressão vivida através da pobreza, da incredulidade na força da vida, do preconceito, da morte gratuita, da violência indiscriminada, do roubo aos honestos, do preconceito contra os que não tem culpa, da desigualdade em proporções faraônicas, da tristeza por sabermos que tudo tende ao fim... Ao caos...


Ayron B.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

"Cicatrizes"


Você me feriu...

Deixou uma ferida aberta e tão profunda, que já não sei se um dia ela vai se fechar.

Você me fere...

Todos os dias com a frieza do seu olhar, das suas palavras, da sua indiferença, da sua falta de amor; você revira as víceras da mesma ferida que outrora me causou.

Você se feriu...

Ao abandonar todos os seus paradigmas por um absoluto equívoco de vida.

Você se fere...

E insiste em se ferir todos os dias, ao reprovar o que seu espelho lhe apresenta, ao ignorar o amor que lhe ofertam, ao despresar a vida que lhe foi dada. Pra ser vivida.

Você vai me ferir...

Sei que vai...

Você sabe até por onde começar, e todos os dias insiste em me fazer acreditar nessa mentira, que impede a fístula purulenta que se formou, de ter um fim. Amor...

Cicatriz...

È tudo o que vai me restar...

Quando mais uma vez você romper os pontos que tanto tempo eu demorei para cozer, na pele já quase morta do meu coração. Naquela ferida imunda que ao longo do tempo eu deixei você cultivar, sem perceber o quão profundo você tocava. Já sem ferida, mas com marcas, muitas marcas, eu vou olhar para tras e te querer de novo; Te querer como já quis insaciavelmente. Mas vai bastar olhar para os sinais, as cicatrizes, pra me lembrar do quanto você me fez mal, e então, te amar outra vez...




Ayron B.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

"Morte e convivência"


Suspiro profundo... "Ai, a vida!"
Suspiro abafado. Morte.
Ambas chegam de repente, sem avisar, causam um monte de sentimentos intensos e muitas vezes duradouros... para quem prossegue a viagem e para quem estaciona. Ambas são necessárias e ambas são inúteis. Quem convive é quem diz. Quem sente é quem diz. Quem faz é quem diz. Quem não passa... perdeu. Poderia ter dito.
Se hoje um anjo maroto, com um belo sorriso exposto, se virasse a e perguntasse: "O que pretendes na vida?"
Eu, ainda mais maroto, com essa minha cara de bobo, responderia ao anjo animado: "Viver".
Assim como qualquer outro, o anjo me faria uma cara de sabido, riria os lábios de lado e debocharia. Eu o indagaria: "Mas o que faria eu, senão viver um dia após o outro?!".
A vida chega aos poucos, a morte chega súbita. Viver um dia após o outro não é deixar o fluxo do rio da vida lhe carregar. Viver é aceitar todos os dias, que não há forma de não morrer. E assim, trabalhar pra que valha a pena o viver.
O viver é eterno pra quem nunca morreu, mas a morte, ao contrário do que muitos dizem, eterniza toda uma vida. A morte, faz ser pra sempre todas as suas conquistas, seus sonhos realizados, seus entes amados, seus sorrisos doados, seus dias de sol, suas noites frias, os abraços e beijos, as alegria e as tristezas...
A morte nunca foi a vilã dessa história do dia após dia. A morte é a coroação do justo de viveu uma vida bem vivida. A morte é quem lhe faz parecer inesquecível. A morte não é o fim da vida; a morte é o início da memória, da saudade, dos sorrisos sem sentido, dos choros repentinos, do amor eterno e verdadeiro, aquele que não precisa de reciprocidade, já que ninguém pode mais responder: "Eu te amo, também.".
A morte é um novo descanso; um carinho de Deus... um novo suspiro profundo, longo, duradouro... eterno.


Ayron B.


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"Não há vida sem morte
Como não há morte sem vida
Mas há também uma morte em vida
E a morte em vida
É exactamente a vida
proibida de ser vivida...

A distância permite-nos a saudades
... mas nunca o esquecimento..."


Medusa